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Casa de Criadores, 06 de Julho 

Ana Laura Seren | @alauraseren

10 JUL 2019 - 16H50

Pote:

Se a moda choca a ponto de calar a plateia, ela está fazendo seu papel. Foi isso que aconteceu durante o desfile da POTE, a parceria entre o rapper Novíssimo Edgar, o projeto Ponto Firme de Gustavo Silvestre e a Estamparia Social. Tanto o Ponto Firme quanto a Estamparia Social trabalham com presos ou egressos, os ensinando a bordar, costurar, fazer crochê e trabalhar com serigrafia.

A junção desses três nomes dá força a um movimento de desmarginalizar e reintegrar essas pessoas na sociedade, trazendo oportunidade de trabalho tanto dentro quanto fora das prisões.

A performance fala sobre ciclos, prisão e liberdade. A passarela foi montada na escadaria da Praça das Artes, de forma a democratizar esse desfile, abrindo ao público uma questão social urgente, o encarceramento em massa da população negra. Ao fim da escada, lia-se “64% da população presa é preta. Liberdade vai cantar”. Descendo os degraus calmamente, com o andar orgulhoso, os ex-presos desfilam as peças customizadas com retalhos, pontos de crochê, desenhos criados pelo próprio Edgar.

 

As roupas, no entanto, não são as protagonistas.

O nome Pote vem do apelido das solitárias nas prisões. Esse desfile discorre sobre a vivência dentro do encarceramento, desde os casulos que eles constroem com panos dentro das celas para receber visitas íntimas até os riscos que contam os dias para, enfim, se verem livres.

Projeto Lab – Bispo dos Anjos:

O estilista da marca se inspira na  moda que brinca com as expectativas da sociedade sobre a masculinidade. O desfile abre com um casaco arquitetônico de mangas redondas seguido de um look azul com estampa de onça, brincando com essa dualidade entre o pesado e o leve. A coleção inteira fala sobre as imposições e os preconceitos de um homem que gosta de usar vestido, decote e peças normalmente associadas ao feminino. Os vestidos aparecem como peça principal, não como ponto fora da curva.

Projeto Lab – Jal Vieira:

A estilista Jal Vieira contou a história emocionante de sua mãe, que saiu sozinha do sertão para tentar a vida no Sudeste. O tecido feito de cortiça com recortes e franjas apareceu em boleros, vestidos, calças e saias.

Projeto Lab – Rainha Nagô:

A marca Rainha Nagô é a primeira 100% plus size a estrear na Casa de Criadores. Falando sobre gordofobia e body positive, a coleção apresentou códigos que geralmente passam longe de roupas maiores: muita transparência, decotes, blusas de tela e silhuetas justas para homens e mulheres.

Projeto Lab – Koia:

A Koia foi uma grata surpresa nesta edição do Projeto Lab, já que mostrou uma moda madura, bem acabada, com ideias coesas e peças comerciais com um toque esquisito e interessante. Grande parte da coleção de TCC de Kaio Martins trouxe uma inspiração vitoriana, com mangas bufantes e golas de renda, além de plissados, cinturas bem altas, calças clochard e saias rodadas.

Vivão:

Inspirado no filme Blade Runner 2049, Alexandre Francisco, da Vivão Project, apresenta um futuro distópico, caótico, grotesco. Mas, na verdade, ela não é tão distante quanto parece. Essa nova “raça de humanos”, pensada pelo estilista baiano, é fabricada para fins escravocratas enquanto a sociedade preconceituosa exclui as minorias sociais, como os transsexuais e as pessoas não-binárias. 

 

O visual é estranho para quem está acostumado a seguir os padrões da sociedade, que exige que as mulheres odeiem seus corpos e suas sexualidades, que sejamos belas, recatadas e do lar. Que os homens sejam fortes, másculos, sem traços de feminilidade. Que as bichas não sejam afeminadas. A Vivão Project pega todas essas expectativas, joga no lixo e entrega uma coleção coesa com trilha sonora pesada para alguns, mas que embala perfeitamente esse futuro tão atual.

Estileras:

A marca Estileras é diferente de quase tudo que já foi visto no evento. Com o conceito de que o meio é tão importante quanto o fim, eles montaram o backstage na área pública da Casa de Criadores, na Praça das Artes, para que as pessoas acompanhassem seus processos. A performance começou meio dia com trinta pessoas silkando, pintando, recortando e customizando peças de brechó ao vivo. Toda a coleção foi feita do meio dia à hora do desfile, cerca de oito da noite.

No desfile, os modelos entraram todos juntos e fizeram um paredão onde só se via pelas frestas o que rolava no meio. Como se a marca não precisasse do aval do mundo muitas vezes preconceituoso da moda, mas para seus amigos, as pessoas da cena e quem realmente consegue entender o que isso tudo significa. As roupas feitas na hora atendem bem esse novo momento da moda que se reapropria do seu discurso e de sua estética para criar uma coisa nova, fresca e que conversa muito bem com seu público.

Rafael Caetano:

Há algumas temporadas, Rafael Caetano encontrou a fórmula do seu sucesso: peças para um público gay que gosta de brilhos, exagero e extravagância. Por conhecer bem (e fazer parte) dessa mesma turma, o estilista entende bem o que eles querem vestir. Os macacões, best-seller da marca, sempre aparecem na sua passarela, assim como as bombers coloridas e com paetês. A novidade dessa temporada fica para as parcas, os tons doces e a estampa tie-dye.

Nessa edição, Caetano quis falar sobre amor à primeira vista. No look final, o olhar da icônica drag Divine é aplicado em um maxicasaco colorido e amplo. Há também um tema cowboy aqui, com os bolsos contrastantes em camisas, franjas e chapéus.

Ken-gá:

A história de Afrodite, caminhoneira que transicionou aos 66 anos, foi o ponto de partida das estilistas Lívia Barros e Janaina Azevedo da Ken-gá. Antes Heraldo Oliveira Araújo, viajava as estradas do Brasil trocando as roupas femininas pelas masculinas ao chegar em seus destinos. Porém, agora aos 69 anos, ela desfila orgulhosamente para a marca na passarela da Casa de Criadores.

 

As estilistas ainda quiseram brincar com as frases de caminhão, sempre muito machistas, e estamparam “Deusa Fiel, Deusa é Amor” em algumas peças. Em sua versão mais conceitual, a Ken-gá apresenta vestidos, tops e saias feitas com as mesmas bolinhas de madeira dos assentos de caminhões.

Nós quisemos falar sobre as caminhoneiras e fazer um paralelo com a invisibilidade da mulher lésbica – que nós sentimentos na pele”, contam Livia e Janaína. “No caminhão, você pode ser a mulher que você quiser, você vê o futuro e encara o passado”. Dessa imagem de pôr-do-sol na estrada, foi emprestada a paleta de cores. Além dos elementos cowboy, elas quiserem imprimir toda a referência cafona e dramática a que foram expostas suas vidas inteiras. Os brincos, por exemplo, foram recortados de quadrinhos religiosos que se encontram em quase todas as casas do interior.

Vicente Perrotta:

“Como é o meu desfile de estreia na Casa de Criadores, resolvi fazer uma retrospectiva do meu trabalho. Vou mostrar exercícios e técnicas que tenho desenvolvido durante minha trajetória”, diz o estilista Vicente Perrotta, que desfilou no último dia do evento.

 

O tema da coleção foi Travesti no Poder, que o estilista diz ser “um diálogo com as questões sobre o corpo transvestigenere e a criação do imaginário”. Travestis no mercado de trabalho, na fila do pão, na universidade, no poder, no Legislativo, na Medicina, onde ela quiser estar: assim termina a carta de apresentação da marca.

Brechó Replay:

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